Em quais circunstâncias um vídeo pode roubar informações do seu celular?
Fundador da Amazon Jeff Bezos
teria sido vítima de espionagem iniciada por arquivo de vídeo, mas ataque só
pode ser realizado em condições específicas.
A suspeita de que o fundador da
Amazon, Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, sofreu uma espionagem em seu
celular iniciada por vídeo recebido pelo WhatsApp, levanta novos
questionamentos sobre a segurança nos smartphones.
Pode um arquivo de vídeo recebido
pelo aplicativo de mensagens levar ao vazamento de dados armazenados no
smartphone? A resposta é: sim, mas somente em condições específicas.
A suspeita é de que o telefone de
Bezos foi hackeado a partir de um vídeo foi divulgada pelo jornal britânico
"The Guardian", na última terça-feira (21).
Segundo a reportagem, o arquivo
malicioso foi enviado para ele pela conta pessoal de Mohammed bin Salman,
príncipe e herdeiro do trono da Arábia Saudita, no WhatsApp.
A reportagem cita um relatório
pericial que teria sido realizado no iPhone do biliolinário em 2019, após o
surgimento de fotos íntimas de Bezos que, segundo Bezos, foram usadas por um
tabloide para chantageá-lo.
O relatório apontou que, depois
de o executivo receber o vídeo enviado pelo príncipe, em 2018, mais de 4 GB de
dados foram transmitidos do aparelho dele. Até o momento, não se sabe, no
entanto, se a suposta invasão do celular está relacionada com a exposição das
fotos íntimas.
Por conta das implicações que o
caso pode ter na geopolítica mundial — devido à possibilidade de a espionagem
ser uma tentativa de intimidar o jornal "The Washington Post", do
qual Bezos também é dono —, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu uma
investigação sobre as suspeitas.
A embaixada da Arábia Saudita
considerou as acusações "absurdas".
Quando um vídeo pode ter um
vírus?
Arquivos de vídeo normais possuem
apenas dados que definem uma sequência de imagens para serem exibidas na tela.
Portanto, eles são incapazes de comandar o smartphone para realizar outras
tarefas.
Em outras palavras, um vídeo, por
si só, não pode obrigar um dispositivo a transmitir dados que estão armazenados
nele, desde que o programa responsável por construir a sequência de imagens
armazenada no vídeo funcione corretamente.
Infelizmente, programas podem
apresentar erros nas etapas de processamento. E esses erros podem, nos casos
mais graves, permitir que os dados do vídeo sejam levados para a mesma memória
onde fica a fila de instruções executadas pelo processador.
Quando isso acontece, o vídeo
"sequestra" a memória do aplicativo e passa a fazer parte dele, sendo
capaz de manipular sua operação e desviá-lo das suas funções originais para,
inclusive, espionar o smartphone ou instalar outros aplicativos de forma não
autorizada.
Esse processo é muito delicado,
porque sistemas como o Android e o iOS adotam várias barreiras de proteção que
normalmente impedem que a memória seja manipulada de forma previsível.
Se algo não sair exatamente como
foi planejado pelo hacker, o aplicativo vai parar de responder e terá de ser
fechado, encerrando a tentativa de invasão.
Ataque personalizado
Para garantir que o ataque
funcione, normalmente o criminoso precisa recolher todas as informações
possíveis sobre o alvo, como a versão do sistema e o modelo do aparelho.
Com isso, o ataque fica bem
ajustado para o ambiente em que ele será realizado. No caso de Bezos, o
aparelho era um iPhone; se fosse Android, o ataque apenas seria feito de forma
diferente e sob medida para funcionar no sistema do Google. O alvo, e não as condições
de ataque, ditavam o que seria feito.
Por essa razão, esses ataques são
considerados sofisticados e não fazem parte das ameaças "de massa"
enfrentadas pela maioria das pessoas. Para Bezos, no entanto, esse não é um
cenário irreal.
A Arábia Saudita tem capacidade
técnica?
Diversas organizações e
relatórios já citaram a possibilidade de a Arábia Saudita ser cliente da NSO
Group, uma empresa israelense especializada em soluções de espionagem.
O relatório da ONU sobre o caso
também cita a relação entre a empresa e o país árabe. A entidade também destaca
que o roubo de dados do aparelho de Bezos pode ter sido realizado pelo
Pegasus-3, o software comercializado pela empresa.
A NSO Group detém uma reconhecida
capacidade para realizar ataques sofisticados, inclusive contra o WhatsApp.
O Pegasus funciona tanto no
Android como no iOS, embora o sistema da Apple não permita a instalação de
programas fora da App Store. Como a empresa abusa de vulnerabilidades nos
sistemas, o programa funciona clandestinamente, driblando limitações e
barreiras impostas pelos fabricantes.
A Anistia Internacional e o
Citizen Lab, da Universidade de Toronto, apontaram o envolvimento da NSO Group
em vários casos de espionagem – inclusive contra jornalistas.
Jamal Khashoggi, o articulista do
"The Washington Post" assassinado em outubro de 2018 na embaixada
saudita, também teria sido espionado por um software fornecido pela NSO Group,
de acordo com um processo movido por Omar Abdulaziz, um dissidente do regime
saudita que também teria sido alvo de espionagem.
A atuação da companhia israelense
no WhatsApp levou o Facebook, dono do aplicativo, a mover uma ação judicial,
alegando que a espionagem de usuários viola os termos de uso da plataforma e
causa prejuízos para a companhia.
Como o Facebook não identificou
alvos específicos na ação, não se sabe se havia entre eles pessoas de interesse
da Arábia Saudita.
A NSO Group nega que seu software
seja usado de forma ilícita e alega que suas soluções são vendidas
exclusivamente para autoridades policiais que necessitam investigar criminosos
e terroristas.
Segundo uma reportagem do
"Wall Street Jornal", autoridades policiais na Europa estavam
rastreando um suspeito de terrorismo por meio de um software de espionagem da
NSO que foi "dedurado" ao investigado pelo WhatsApp, já que o app
avisou todas as vítimas sobre a possibilidade de espionagem.
Após o alerta, o aparelho saiu do
radar e a polícia teria perdido a trilha do suspeito.
Ao mesmo tempo, a NSO afirma que
não se envolve diretamente na forma que seus clientes usam o software – o que
cria um paradoxo: se a companhia não se envolve nas ações, ela não sabe contra
quem seu software é usado.
E, para saber contra quem o
software é usado e evitar abusos de espionagem, a companhia precisa se envolver
de alguma forma nas operações que empregam sua tecnologia.
A NSO Group não confirma quem são
seus clientes. Mas há diversos indícios encontrados por especialistas que
indicam uma forte possibilidade da Arábia Saudita estar entre eles — o que garantiria
ao país a capacidade técnica de realizar a espionagem em Bezos.
É possível evitar esses ataques?
Qualquer falha de programação em
um aplicativo precisa ser corrigida pelo desenvolvedor e aplicada pelos
usuários com as atualizações de software.
A atualização pode depender
apenas do app (como o WhatsApp, o Gmail, o YouTube e assim por diante), mas
também pode ser necessário atualizar todo o sistema, caso o problema esteja
presente em um componente comum que é apenas reaproveitado pelo aplicativo.
No caso de vídeos, os sistemas de
smartphones fornecem uma solução pronta. No Android, ela se chama MediaServer;
no iOS, o nome é CoreMedia. Por essa razão, a segurança da reprodução de vídeos
é uma somatória da segurança do aplicativo e do próprio sistema.
Como se prevenir?
Independentemente de onde uma
falha está, a solução é a mesma: manter o sistema e todos os aplicativos sempre
atualizados. Para usuários de Android, isso pode ser mais difícil, porque nem
todos os fabricantes de smartphones são transparentes quanto aos prazos de
atualização.
Em novembro passado, o WhatsApp
disse que corrigiu uma falha que podia atacar celulares com arquivos de vídeo,
mas afirmou que não havia qualquer informação que indicasse que esta brecha foi
utilizada em ataques reais (veja como atualizar seu celular).
Para casos mais específicos, como
o de Bezos, nem a atualização será capaz de evitar a invasão. Pessoas muito
expostas, como ele, podem ser atacadas por falhas inéditas e desconhecidas.
É necessário investir no monitoramento
e isolamento dos ataques, pois a prevenção não é suficiente. Para a maioria dos
usuários de smartphone, vale o antigo ditado: prevenir é melhor do que
remediar.
Dúvidas sobre segurança, hackers
e vírus? Envie para g1seguranca@globomail.com
Por: Davi SilvaFonte: g1
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